cota NÃO É privilégio!

Bolají Xavier

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Falar de cotas é algo muito interessante pois quem é contra, é meritocrático. Então, vamos por partes. “Cotas” são as formas de, grupos acêntricos (termo cunhado por Ricardo Alexino onde são englobados grupos que não têm acesso à representações ativas políticas e sociais. Substitui o termo “grupos minoritários” justamente por apontar que os grupos não são necessariamente inferiores em quantidade mas sim, pouco atingidos pela política hegemônica), adentrarem em espaços que excluem seus corpos sistematicamente. Por exemplo, A Lei nº 9.100/95, que estabelece as normas para as eleições municipais do ano seguinte (1996), além de colocar outras providências, como o Art. 12, parágrafo 3º onde estabelece que, no mínimo, 20% (vinte por cento) de vagas de cada partido ou coalizão deva ser ocupado por candidaturas femininas; ou a Lei nº 8.213/91, que determina os Planos de Benefícios da Previdência Social e outras providências, como o Art. 93, onde aponta que uma empresa deve destinar de 2% (dois por cento) à 5% (cinco por cento) do quadro geral de funcionários para pessoas com deficiência. Falar isso assim, logo de cara, pode parecer duro, e é. É para apontar que, temos que ter as reservas de vagas para que tenhamos mais equidade social. Os Sistemas de Reserva de Vagas é essencial para que tenhamos vários corpos ocupando diversos espaços e conquistando os capitais financeiro, econômico e social que foi tido como privilégio e reservados para poucos. Aqui, vou falar sobre algo mais específico, sobre as “cotas raciais” e explicar a diferença entre as cotas raciais e sociais. Sim, vou fazer, provavelmente, o mesmo trabalho que o Coletivo Negro da sua universidade fez mas você não deu muita atenção. Esse texto é especialmente para as pessoas que acham que não devem se preocupar com o tema pois não precisou usar para entrar. Vocês precisam saber como funciona a política, principalmente se forem estudantes de uma universidade pública, porque a política de Reserva de Vagas é o que faz a instituição ser utilizada por uma grande parte da sociedade que foi muito excluída do meio acadêmico por muitas décadas.

Bom, para falar de cotas, tanto sociais quanto raciais, é preciso falar da lei que as regulariza. A Lei nº 12.711/12 foi assinada pela Presidenta Dilma Rousseff e aponta que, universidades e instituições federais vinculadas ao Ministério da Educação devem reservar 50% (cinquenta por cento) de cada concurso para ingresso na graduação, por curso e por turno, para alunos que fizeram todo o Ensino Médio completo na Rede Pública de Ensino Básico. Dessas vagas, uma porcentagem que seja equivalente ao último censo do IBGE para PPI’s (Pretos, Pardos e Indígenas). E, em um período de tempo, após análises comprovando que adentraram e permaneceram mais pessoas que têm o direito de utilizar as cotas, a política é encerrada. Infelizmente, por conta de fraudes, as vagas não são 100% preenchidas e, por consequência, a política terá alguns anos de continuidade. Essa é a lei. Ponto. A partir disso temos, em cada universidade, uma forma de averiguar e as políticas internas de aferição para saber se as pessoas não estão fraudando o sistema. E é aqui que deve ser colocada a afirmação “cota NÃO É privilégio”. As cotas não são para beneficiar uns ao invés de outros, é para reparar os danos educacionais sofridos durante o processo histórico da sociedade brasileira. O argumento meritocrático de que é preciso “igualar” e não “segregar” cai por terra pois, na lógica liberal clássica, é preciso uma igualdade de oportunidades para que haja o sentido de mérito. As pessoas que TÊM direito à Reserva de Vagas são as pessoas que estudaram, o Ensino Médio completo na Rede Pública, e, as vagas para PPI’s e PCD’s (Pessoas com Deficiência) são reservadas a partir disso. Não é um sistema que “privilegia” uma pessoa pela sua etnia, é um sistema que reconhece que, o capital financeiro é determinante para maiores chances de pessoas serem aprovadas nos vestibulares e, dentro disso, que o estigma social de pessoas racializadas e pessoas com deficiência faz com que as chances de ingresso nas universidades sejam mínimas. Ou seja, o Sistema de Reserva de Vagas não atinge apenas pessoas negras e indígenas. Atinge todas as interssecções que perpassam os corpos acêntricos, sendo o mais determinante, ter o Ensino Médio completo no Sistema Público de Ensino. Não é “exclusividade”.

Finalizada a explicação sobre a “Lei das Cotas”, é preciso que a discussão mude de destinatário. É preciso olhar e questionar o porquê de termos tantas fraudes nas inscrições? Como colocou Patricia Iya Suru Alves em live, os fraudadores se sentem imunes. O privilégio branco faz com que os fraudadores de cotas raciais se sintam protegidos e que se safem de serem expulsos. Essas pessoas devem ser as interrogadas socialmente, essas pessoas devem ser desligadas das universidades ou terem os diplomas cassados. Essas pessoas vão se tornar profissionais que usaram uma vaga que não lhes era de direito, foram criminosos pois falsidade ideológica é crime descrito no Art. 299 do Decreto Lei nº 2.848/40 e serão profissionais que, quando atenderem pessoas que se encaixam nas especificidades da política de Reserva de Vagas, serão hostis e desrespeitosos pois perpetuarão o sentimento de superioridade social e racial. Somado à isso, a pessoa que frauda as cotas prejudica o desenvolvimento da política, já que, com mais fraudes, mais tempo a política vai permanecer, até que os resultados de comparação entre o antes e depois da política seja positivo. Não devemos fechar os olhos para colegas de turma que fraudam cotas. Não devemos dar o orgulho de burlar o sistema à eles. Algo interessante que a UnB (Universidade de Brasília) está fazendo é, cassar os diplomas de pessoas já formadas e cancelando créditos de graduandos que entraram ilegalmente pelo sistema de cotas. Precisamos que as demais universidades públicas brasileiras revolucionem os métodos de apuração, desligamento e, para os que já se formaram, cassação de diploma. É dever púbico e geral fazer com que pessoas não burlem o Sistema de Reserva de Vagas.

Superado tal ponto, precisamos nos atentar também às Pós-Graduações. Os programas de Pós ainda têm um conselho docente muito conservador, preconceituoso e ignorante ao funcionamento pleno da Reserva de Vagas, além de apontarem a falta de comprometimento de alunos “cotistas” que acabam por ‘desvalorizar’ o curso. Esse discurso, que caminha junto com o discurso contrário às cotas na graduação são facilmente desmoronados quando pesquisados os índices de estudantes cotistas e suas taxas de desempenho. Segundo a ANPG (Associação Nacional de Pós-Graduandos), o Sistema de Reserva de Vagas tem como objetivo “[…] ampliar a possibilidade de acesso à pós-graduação e à ciência — como ocorre hoje em alguns programas de pós-graduação e universidades empenhadas em avançar no plano do conhecimento, de práticas e relações sociais — é urgente para enfrentar a crise democrática e social que vivemos. Ainda mais que, as ações afirmativas na graduação não são suficientes para reparar ou compensar efetivamente as desigualdades sociais resultantes de passivos históricos ou atitudes discriminatórias atuais […]”. Portanto, é essencial que, a Reserva de Vagas perpetue nos cursos de Pós-Graduação das Universidades pois, o principal objetivo das cotas é justamente estabelecer uma equidade de graduados de grupos acêntricos, já que o nível de escolaridade determina o nível social da população e, por consequência, os trabalhos de mestrado e doutorado serão feitos por pessoas diversas, com múltiplos interesses e maiores discussões partindo de novos pontos de percepção.

Aqui, coloco os pontos que justificam tanto o Sistema de Reserva de Vagas, quanto a necessidade de sua manutenção, consolidação e monitoramento corretos dessa política que faz parte de um conjunto de Políticas Públicas para tentar atingir uma equidade social no Brasil. Seria muito bom se, a partir desse texto, as pessoas que eram contrárias às cotas percebessem que, o fato de termos Reserva de Vagas para grupos acêntricos, não significa que haja favoritismo. E, com o conhecimento básico sendo colocado, que essas pessoas realmente pesquisassem como o Sistema funciona nas universidades de sua cidade e estado e cobrar maior vigilância para que as reitorias e diretorias determinem regras mais rígidas e rápidas de averiguar as cotas e desligar os possíveis fraudadores, além de cobrar as instituições que ainda não implementaram o Sistema de Reserva de Vagas nos cursos de Graduação e de Pós-Graduação. Juntes, nós conseguiremos transgredir o sistema para que mais pessoas tenham acesso à universidades, já que a graduação é vista como ascensão social e possibilita novos cenários e oportunidades.

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Bolají Xavier
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Written by Bolají Xavier

Graduada em História. Mulher preta, filha do Ilê, intelectual orgânica desde criança. Nascida com Honra. Assino como Bolají Alves também rs

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